Considerado um dos maiores pensadores do século XX, Heidegger ocupa lugar estabelecido e incontestável no campo filosófico o que, por si só, já mostra o peso desta nova publicação. Mas, mais do que isto, a importância da iniciativa de se editar os Seminários de Zollikon no Brasil está no fato de que este trabalho facilitará o acesso do público não especializado ao pensamento heideggeriano, pois, este livro apresenta uma peculiaridade em relação aos outros do autor: os seminários não são endereçados unicamente aos filósofos ou especialistas, mas dirigidos aos médicos, psiquiatras e psicólogos. Isto não significa que o livro seja uma versão simplificada do pensamento heideggeriano ou, que apresente apenas discussões que transcendam o âmbito filosófico, indo para as temáticas da ciência em geral ou da ciência do homem. Nos seminários, Heidegger apresenta seu pensamento original e desenvolve sua análise, especialmente dos fundamentos subjacentes aos modelos científicos da Física, da Medicina, da Psicologia e da Psicanálise.
É importante salientar, também, que o livro é o resultado da iniciativa de Medard Boss, que, em 1947, escreve para o grande pensador, solicitando ajuda para uma melhor compreensão das suas idéias, em especial as desenvolvidas no livro Ser e tempo (1927).
A partir deste convite, Heidegger se dispõe a apresentar em Zollikon (Suíça) seminários regulares, durante dez anos (1959-1969), para um grupo de estudantes de medicina, de psiquiatras e de psicanalistas. Estes seminários foram registrados e, posteriormente, organizados e editados por M. Boss. Eles constituem a primeira parte deste livro.
A segunda parte apresenta os registros de Boss sobre suas conversas com Heidegger, que ocorreram, sobretudo, durante as estadas do filósofo em Zollikon, durante as viagens realizadas em conjunto por ambos e, também, durante as visitas de Boss a Heidegger na Alemanha. A leitura destes diálogos contribuem para o esclarecimento e o aprofundamento de questões importantes abordadas nos seminários.
A terceira parte consta das cartas de Heidegger endereçadas a Boss, no período de 1947 a 1971. Aí podemos notar aspectos que esclarecem o projeto de trabalho dos dois, bem como acompanhar o amadurecimento de sua relação pessoal. Nos prefácios da primeira e segunda edições alemã e no último capítulo, intitulado Palavras finais, além do prefácio da edição brasileira redigido por Marianne Boss, viúva de Boss, encontramos testemunho do longo convívio entre o médico e o filósofo.
Os seminários, os diálogos e as cartas revelam o modo como o pensador desenvolve suas idéias originais sobre diferentes temas, entre outros, o tempo, o espaço, o movimento, o corpo, a linguagem, o relacionamento do homem com os outros seres humanos e com as coisas presentes no mundo. Mostram, também, claramente a dificuldade inicial dos participantes dos seminários para se compreender efetivamente as idéias apresentadas pelo "mestre da Alemanha" . Tal dificuldade justifica-se pelo fato de sua filosofia requerer uma uma mudança radical de perspectiva para se pensar o homem, exigindo, assim, uma ultrapassagem do saber mensurável, explicativo e causalista presente no modo de pensar cotidiano e nas diversas teorias científicas.
Nestes seminários, Heidegger desenvolve uma crítica ao modelo de conhecimento científico utilizado pela Física, Química, Medicina e Psicologia. Do seu ponto de vista, as teorias psiquiátricas, psicológicas e psicanalíticas ainda permaneceram submetidas aos requisitos das ciências naturais. Elas não conseguem abarcar o modo peculiar do existir humano, pois transferem os fundamentos das ciências da natureza para as ciências humanas e pensam o homem como se ele fosse igual aos fenômenos da natureza, aos objetos ou às máquinas. O filósofo considera que a ciência, que visa ao estudo dos fenômenos humanos, necessita ser pensada e orientada segundo bases diferentes da ciência da natureza.
Para Heidegger, a palavra crítica significa, prioritariamente, distinguir e diferenciar; ele não a compreende em seu sentido mais habitual, de julgamento de algo, especialmente com um caráter depreciativo. A reflexão crítica de Heidegger sobre os fundamentos e o método científico das ciências naturais, não pretende destruir o método científico de investigação ou, mesmo, mostrá-lo como inadequado. A perspectiva do pensador é diferenciar ou distinguir o método pertinente à ciência que pretende estudar o homem, daquele que investiga os fenômenos não humanos. No entanto, quando ele discute o método da ciência, não se refere à metodologia e aos procedimentos empíricos de pesquisa, mas ao modo de acesso que já, anteriormente, pressupõe e circunscreve o próprio objeto de estudo.
Com o propósito de encontrar caminhos mais próprios que levem à compreensão da existência humana, Heidegger discute também alguns dos conceitos teóricos da psicanálise, como, por exemplo, a projeção, a introjeção ou a transferência e algumas questões da prática clínica da Psiquiatria e da Psicologia.
Aí podemos encontrar a oportunidade para a reflexão e para o esclarecimento de conceitos e temas diretamente ligados ao trabalho clínico, seja psiquiátrico ou psicoterápico. É muito comum que a interlocução do pensamento heideggeriano com a Psicologia e a Psiquiatria seja compreendida como mera aplicação de conceitos filosóficos na teorização e na intervenção do médico e do psicólogo. Boss nos ajuda esclarecer este equívoco. Heidegger entendia que a contribuição de seu pensamento para com o trabalho do médico ou do psicólogo se daria a partir do diálogo estabelecido entre os diferentes campos. No prefácio da primeira edição deste livro, Boss diz:
A segunda parte apresenta os registros de Boss sobre suas conversas com Heidegger, que ocorreram, sobretudo, durante as estadas do filósofo em Zollikon, durante as viagens realizadas em conjunto por ambos e, também, durante as visitas de Boss a Heidegger na Alemanha. A leitura destes diálogos contribuem para o esclarecimento e o aprofundamento de questões importantes abordadas nos seminários.
A terceira parte consta das cartas de Heidegger endereçadas a Boss, no período de 1947 a 1971. Aí podemos notar aspectos que esclarecem o projeto de trabalho dos dois, bem como acompanhar o amadurecimento de sua relação pessoal. Nos prefácios da primeira e segunda edições alemã e no último capítulo, intitulado Palavras finais, além do prefácio da edição brasileira redigido por Marianne Boss, viúva de Boss, encontramos testemunho do longo convívio entre o médico e o filósofo.
Os seminários, os diálogos e as cartas revelam o modo como o pensador desenvolve suas idéias originais sobre diferentes temas, entre outros, o tempo, o espaço, o movimento, o corpo, a linguagem, o relacionamento do homem com os outros seres humanos e com as coisas presentes no mundo. Mostram, também, claramente a dificuldade inicial dos participantes dos seminários para se compreender efetivamente as idéias apresentadas pelo "mestre da Alemanha" . Tal dificuldade justifica-se pelo fato de sua filosofia requerer uma uma mudança radical de perspectiva para se pensar o homem, exigindo, assim, uma ultrapassagem do saber mensurável, explicativo e causalista presente no modo de pensar cotidiano e nas diversas teorias científicas.
Nestes seminários, Heidegger desenvolve uma crítica ao modelo de conhecimento científico utilizado pela Física, Química, Medicina e Psicologia. Do seu ponto de vista, as teorias psiquiátricas, psicológicas e psicanalíticas ainda permaneceram submetidas aos requisitos das ciências naturais. Elas não conseguem abarcar o modo peculiar do existir humano, pois transferem os fundamentos das ciências da natureza para as ciências humanas e pensam o homem como se ele fosse igual aos fenômenos da natureza, aos objetos ou às máquinas. O filósofo considera que a ciência, que visa ao estudo dos fenômenos humanos, necessita ser pensada e orientada segundo bases diferentes da ciência da natureza.
Para Heidegger, a palavra crítica significa, prioritariamente, distinguir e diferenciar; ele não a compreende em seu sentido mais habitual, de julgamento de algo, especialmente com um caráter depreciativo. A reflexão crítica de Heidegger sobre os fundamentos e o método científico das ciências naturais, não pretende destruir o método científico de investigação ou, mesmo, mostrá-lo como inadequado. A perspectiva do pensador é diferenciar ou distinguir o método pertinente à ciência que pretende estudar o homem, daquele que investiga os fenômenos não humanos. No entanto, quando ele discute o método da ciência, não se refere à metodologia e aos procedimentos empíricos de pesquisa, mas ao modo de acesso que já, anteriormente, pressupõe e circunscreve o próprio objeto de estudo.
Com o propósito de encontrar caminhos mais próprios que levem à compreensão da existência humana, Heidegger discute também alguns dos conceitos teóricos da psicanálise, como, por exemplo, a projeção, a introjeção ou a transferência e algumas questões da prática clínica da Psiquiatria e da Psicologia.
Aí podemos encontrar a oportunidade para a reflexão e para o esclarecimento de conceitos e temas diretamente ligados ao trabalho clínico, seja psiquiátrico ou psicoterápico. É muito comum que a interlocução do pensamento heideggeriano com a Psicologia e a Psiquiatria seja compreendida como mera aplicação de conceitos filosóficos na teorização e na intervenção do médico e do psicólogo. Boss nos ajuda esclarecer este equívoco. Heidegger entendia que a contribuição de seu pensamento para com o trabalho do médico ou do psicólogo se daria a partir do diálogo estabelecido entre os diferentes campos. No prefácio da primeira edição deste livro, Boss diz:
"Um dia, o próprio Heidegger confessou que desde o início tivera grandes expectativas da ligação com um médico que parecia compreender seu pensamento. Ele via a possibilidade de que seus insights filosóficos não ficassem limitados às salas dos filósofos, mas pudessem beneficiar um número muito maior de pessoas e, principalmente, pessoas necessitadas de ajuda" (p.11).
Assim, somente o diálogo do filósofo com a Psicologia, Psiquiatria e a Psicanálise poderia fornecer subsídios e indicações importantes para a elaboração e desenvolvimento do conhecimento dos fenômenos humanos. E tais subsídios foram aqueles que permitiram o estabelecimento da abordagem daseinsanalítica, seja em seus esclarecimentos da psicoterapia, seja em seus estudos dos modos de existir patológicos e saudáveis do homem.
Conforme os ensinamentos heideggerianos apreendidos nos seminários, Boss reinaugura a abordagem denominada Daseinsanalyse , tanto para a psicoterapia, quanto para a psicopatologia. Em 1971, Boss fundou junto com colaboradores o Institute für Daseinsanalytische Psychotherapie und Psychosomatik em Zurique e deu início à formação de psicoterapeutas daseinsanalistas. Atualmente, ela está representada em diversos países como Áustria, Bélgica, Brasil, Canadá, França, Holanda e Inglaterra.
[Ida Cardinalli]
Assim, somente o diálogo do filósofo com a Psicologia, Psiquiatria e a Psicanálise poderia fornecer subsídios e indicações importantes para a elaboração e desenvolvimento do conhecimento dos fenômenos humanos. E tais subsídios foram aqueles que permitiram o estabelecimento da abordagem daseinsanalítica, seja em seus esclarecimentos da psicoterapia, seja em seus estudos dos modos de existir patológicos e saudáveis do homem.
[Ida Cardinalli]
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