Sunday, March 29, 2009

O Espaço ou a Solidão (11) Sem depois nem antes


Ele, que quis ser o continente de todas as forces em acção, define-se agora em desencontro no espaço – “Longe de mim em mim existo » – e em nada no tempo – « Oco dentro de mim sem depois nem antes ».

Aniquila-se Morre pela voz de Campos :

O horror súbito do entêrro que passa E tira a máscara a todas as esperanças. Ali … Ali vai a conclusão. Ali (…) Vai o nós!
(Campos, 522)

Morre pela voz dele mesmo porque o seu coração é um túmulo com epitáfio – “Fui eu a minha sepultura”.
Morre pela voz de falsa aceitação de Reis, aceitação de um destino inexorável :

Somos contos contando contos, nada.
(Reis, 413)

Dizer da insubsistência da vida pelas palavras de Pessoa-Reis, é o mesmo que fazer desaguar a existência no vácuo como o faz Pessoa-Campos – « Compreendi todo o vácuo da existência sem inteligência para o compreender » – ou inscrever os valores numa nova forma de espaço dado agora pela preposição « entre ». Esta palavra é muito do agrado do poeta e contrapõe-se ao outro tipo de indeterminação que ele objectiva, por exemplo, em palmares das Antilhas ou em « jardins maravilhosos nas ilhas in explicitias ». A diferença consiste, não na significação do conceito, mas unicamente em não haver qualquer forma de concretismo, desta vez.

Com este vocábulo, Pessoa leva-nos para uma esfera de irreal, deixa-nos agarrados à musicalidade do poema e a intuir o que será o « entre » sem lugar ; amargura-nos com jogos de palavras em que transparece a fragmentação e o aniquilamento da vida em três planos fundamentais : do sagrado, do social e do individual.

No plano do divino articula maliciosamente uma pergunta sem reposta, para chegar a uma negação – “Deus é um grande Intervalo / Mas entre quê e quê ?; no contacto de si com os outros, a mesma articulação de impossibilidade de convívio – « … esta vida / Que passo entre a impenetrabilidade física e psíquica / Da gente real com que vivo ! » No plano individual o uso da palavra tem uma carga de pessimismo ainda mais alta – o poeta não se sabe definir, só tem a percepção de que onde é não é e onde está não está. Não se apreende, existe separado, vive em paradoxo :

Entre o que vivo e a vida, Entre quem estou e sou, Durmo numa descida, Descida em que não vou.
(Cancioneiro, 158)

A personalidade que tem está « entre o corpo e a alma » (Campos 446) e a vida,

… é êste estar entre Êste quase, Êste poder ser que … Isto.
(Campos, 490)

que o transporta à angústia.

O « entre » é a irrealização, o vazio, o nada dos sonhos de Reis e do caixão de Campos; o “entre” é o local indefinido a concordar com a inexistância de coisas lindas nos mares de qualquer sul ou no ópio de qualquer oriente. É mais uma vez a solidão num mundo desarticulado em que as coisas são, independentemente umas das outras – « Grandes mágoas de todas as coisas serem bocados. »

De Bernardim a Camões, de Herculano a Soares de Passos, ou Nobre ou Sá-Carneiro a solidão é tema. Nomes diferentes e outros tantos modos de a sofrer. Pessoa, não é, portanto um solitário único. A transmissão do isolamento, seja ele ermitania ou abadondo por parte qo que lhe é exterior, é que é outra. Canta-a através de espaços abertos, fechados ou abstractos ; ajusta-se-lhe por contrato – « Minha mulher, a solidão – e sofre com ela na constante polémica interna que o mantém e que se extravasa em « Versos, versos, versos, versos, versos / Tantos versos … » para nos dizer que está « … só ; só como ninguém ainda esteve ».

[Maria da Glória Padrão, A Metáfora em Fernando Pessoa, 1981]

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