Friday, March 20, 2009

O Espaço ou a Solidão (8) pela Floresta dos Pavores


Outras palavras do domínio do espaço vão ser novamente expressão da abulia de Pessoa : floresta, deserto ou abismo são uma nova justificação de inactividade.

Estas imagens, se são comuns às imediatamente anteriores por não serem obsessivas, logo se diferenciam delas porque superlativiam e alargam o desconhecimento do poeta e trazem uma definição dos conceitos e das realidades constitutivos do mundo que o homem normalmente surpreende.

Mais uma vez as imagens em que o poeta se apoia o vão acusar (« … par notre premier choix, l’objet nous désigne plus que nous ne le désignos », Gaston Bachelard, La psychanalyse du feu). Definindo o universo como uma floresta – « … na vasta selva virgem / Do mundo inumerável” – revela-se-nos mergulhando numa realidade confusa com uma transcendência que escapa à sua penetração. Perante essa floresta que não é descrita,sente-se uma grandeza e uma profundidade escondidas, « on se sent devant une impression essentielle »(G. Bachelard, La poétique de l’espace). Pessoa sente a grandeza imprescrutável também, de um outro mundo da sua visão, ironicamente mais real que o nosso, mas igualmente desconhecido : « … uma floresta de escarnados braços / Inutilmente erguidos para o céu ». Na viagem da vida, « Viagem essa, meu querido Amigo, que é entre almas e estrelas, pela Floresta dos Pavores” (CACR) ele não sabe para que lado se virar no emaranhado de troncos e ramos.

Esta desorientação é a mesma do Pessoa colocado na aridez e inutilidade do deserto, sem bússola – nova definição da vida e do que ela contém:

Grandes são os desertos e tudo é deserto.
(…) Grandes são os desertos e as almas desertas e grandes …
(Campos, 478)

A confusão da floresta e a falta de rumo no meio do deserto, continuam-se no abismo, símbolo, desta vez, um pouco obsidiante, local onde o poeta a todo o momento se despenha.

O abismo é tudo: céu e mar, vida e morte, alma e pensamento. Na « Mensagem », o céu abre o abismo para receber Vasco da Gama ; Do abismo que está debaixo do mar ergue-se a vontade mítica de Portugal. O poeta está situado num mundo abismal, porque desconhecido e todas as realidades materiais ou imateriais vão encontrar lugar nesse espaço tremendo e indefinido.

Unicamente no mundo de Caeiro não há acidentes orográficos que mereçam tal nome. Ele não tem filosofia; o seu pensamento nunca dá saltos em despenhadeiros ; é o igual da natureza que só guarda rebanhos.

Para Reis, o abismo é a alma e a morte. Para Campos, é toda a existância :

Perante esta única realidade terrível – a de haver uma realidade,
(…) Perante êste abismo de existir um abismo,
Êste abismo de a existência de tudo ser um abismo,
Ser um abismo por simplesmente ser,
Por poder ser,
Por haver ser!
(Campos, 515)

O destino do poeta aparece-lhe na alma como um precipício; todos somos irmãos gémeos de tudo por tudo ser abismo e a insondabilidade mantém-se ainda entre o que o poeta sonha e a realidade:

… êsse indistinto
Abismo entre o meu sonho e o meu porvir …
(Cancioneiro, 73.12)

O fosso porfundo já não é entre o fora e o dentro. É só lá dentro :

Paro à beira de mim e me debruço …
Abismo …
(Pessoa, 545.1.XVII)

Fundem-se os dos agora, interior e exterior no mesmo abraço de desconhecido e de tragédia:

E o mistério e horror do mundo
Silentemente recebo
No meu absimo profundo.
(pessoa, 545.1. XVIII)

Soa-nos a desgraça a voz do poeta e nem doutro modo podia soar. Desconhecido ele, num mundo desconhecido, tendo como lugar do fim o “Abismo onde não há mudança”, os gritos que lança para ser arrancado “do solo de angústia e de inutilidade / Onde vicejo” não fazem mais do que lançá-lo cada vez mais profundamente no abismo de si e da vida, no nada que é tudo.Na mistura de paradoxos que se seguem, Pessoa dá-nos conta de que o que realmente existe é esse nada que situa na floresta, no deserto ou no fosso do deconhecido:

“Nós sabíamos ali, por uma intuição que por certo não tinhamos, que êste dolorido mundo onde seríamos dois, se existia, era para além da linha externa onde as montanhas são hábitos de formas, e para além dessa não havia nada”, o nada para onde se abrem todas as portas “por onde vejo sempre a mesma escuridão” (Pessoa, 545.2.XVIII).

[Maria da Glória Padrão, A Metáfora em Fernando Pessoa, 1981]

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